Acomodação
“O que fiz da minha vida?” ela perguntava sempre que notava
o vazio da casa. Não fora honesta ao dar o ponto final, sabia que não estava
pronta para isso. Afinal, ninguém está pronto para sofrer os tais golpes do
destino. Não queria recordar a conversa, as reticências, os ânimos alterados e,
no fim, o silêncio. O vazio.
Levantando-se da cama, resolveu sair de casa para
simplesmente andar. Não importava as dores físicas e emocionais, nem o cansaço.
A chuva era salvadora.
Pegou o casaco e saiu. Andou pelas ruas movimentadas, sem
ouvir ou sentir absolutamente nada. Não ouviu os gritos quase surdos de uma voz
conhecida, até que a tocasse. Ao se virar era ele. Impassível e imprevisível,
sereno e doce ao mesmo tempo.
Falaram de coisas triviais, se distanciando do movimento.
Chegando à porta da casa, se olharam pela primeira vez depois de muito tempo, mas
alguma coisa havia mudado. O sentimento obsessivo de antes se transformou em
uma serena lembrança de algo distante, irreal. Entendeu que não era a dor da
perda: era acomodação. Ela não precisava dele para amar e ser amada, mas sim
para satisfazer seus caprichos juvenis.
Suas dores sumiram
instantaneamente. A luz no fim do túnel significava que ela estava livre, para
amar e para permitir que ele seguisse seu caminho. Sentindo essa leveza,
despediu-se dele com um sorriso e partiu.
O amor é livre, diferente da acomodação ou do sentimento de
posse. Amar é se sentir feliz ao ver o outro feliz, livres como pássaro, mas
unidos por um laço tão forte que nem o tempo pode separar.
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